GREMLIN LITERÁRIO 

Júlio Pinto


Margarida

Rebelo

Pinto


Que pode acontecer a uma rapariga pós-moderna, apanhada nas teias da lógica do efémero? Na pior das hipóteses, escrever um livro, publica-lo e fazer dele um êxito editorial. 0 livro de estreia de Margarida Rebelo Pinto, ”Sei lá”, esta em quarto lugar no top da Fnac e vai já em segunda edição, promovida na respectiva cinta pela foto da autora e por palavras amigas de Carlos Quevedo na revista ”Elle”. De que nos fala esta ameaça de best-seller? Do mundo de Madalena de Sousa e Sá, jovem jornalista de revista cor de rosa com pouca sorte aos amores. Madalena viveu uma paixão intensa por Ricardo, jornalista basco. Para o esquecer, apaixona-se por Francisco, alentejano rico, que também lhe desaparece da cama. Felizmente encontra Guilherme, diplomata e antigo namorado, com quem passa a partilhar o leito, quando ele não esta de boxers na sala, a espera que ela lhe lamba o ego. Um dia, depois de um atentado contra um ministro espanhol, Guilherme revela a Madalena duas terríveis verdades: Ricardo é um terrorista basco e Francisco agente do SIS. Consumada a revelação, Madalena e Guilherme vão jantar ao Fidalgo, porque o Pap'Açorda estava fechado. E os ”magníficos pastéis de massa tenra” fazem-na esquecer que tinha andado a ser ”comida” por um terrorista e um agente do SIS.

A, palavra ”comida”, devo esclarecer, pertence ao universo literário da autora, parca na descrição de cenas de sexo mas generosa no uso de condimentos linguísticos. ”Tu queres é ir comer uma gaja”, diz Madalena a um amigo. Noutra passagem, sugere-lhe uma amiga: ”Porque é que não mandas umas trancadas ao Francisco” e noutro produtivo dialogo, a mesma criatura: ”Vá lá, não nos vamos chatear por causa do gajo que ainda por cima nenhuma de nós anda a comer”. Por acaso come-se muito neste livro. Pastéis de massa tenra no Fidalgo, lombinhos de javali no Fialho, ensopado de borrego na Estrela da Sé, sei lá. Já nas bebidas, Margarida não vai além do Porca de Murça, do BSE e do JB 12 anos (não seria 15?). A autora leva-nos também ás Amoreiras, ao Dock’s, ao T-Clube e ao Bartis. Só não entramos no Frágil porque Madalena de Sousa e Sá prefere os Três Pastorinhos. Por aqui se vê a pós-modernidade do realismo de Margarida Rebelo Pinto, evocativo de Lipovetsky: ”Os quadros hiper-realistas não veiculam qualquer mensagem, não querem dizer nada, mas o seu vazio esta nos antípodas da carência de sentido trágica”. É isso que distingue o deserto pós-moderno do niilismo. É a estética do vazio que faz de uma técnica de relações públicas uma escritora. Parabéns, Margarida, bem-vinda ao Gremlin Literário.

In Revista do Independente de 13/05/99

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