E o que estas valem tem a ver directamente com o prazer na sua essência, que é como quem diz, em ligação directa com os afectos. Para quem sobreviveu ao intróito ético-filosófico, eis então a identidade dos participantes: Nuno Brederode dos Santos, advogado e mordaz colunista do «Expresso», amante de tertúlias e de palavras acompanhadas de whisky; Luís Coimbra, engenheiro aeronáutico, 55 anos, ex-vereador municipal, antigo dirigente do Partido Popular Monárquico com Gonçalo Ribeiro Telles, ex-convidado da Noite Da Má Língua. Actualmente pode ser visto aos domingos à noite na «Travessa do Cotovelo», programa televisivo de conversa onde, para seu desgosto, o whisky é substituído por chá; e finalmente este vosso criado, 35 anos e defensor activo da tripla destilação do whiskey irlandês. Se juntarmos a estes estóicos provadores o ambiente simpático do restaurante Fidalgo, diria que, utilizando o futebolês, estavam reunidas óptimas condições para a prática da modalidade. Desde logo se percebeu que esta prova não ia ser como as outras: Luís Coimbra tentava atenuar as suas responsabilidades avisando que estava «constipado»; pelo seu lado, Brederode dos Santos proclamava uma fidelidade quase medieval ao «whisky branco» e mais particularmente ao Cutty Sark, como de resto o iria provar. Mas era tarde demais: os quatro copos, numerados e alinhados, esperavam pelos comentários dos bebedores, que, entre o medo das surpresas e o pânico de poderem fazer má figura, demoravam-se nos croquetes e outros petiscos o mais que podiam, adiando assim o irreversível. O primeiro whisky foi provado, e pouco tempo depois todos se debruçavam sobre a folha das notas de prova. Brederode dos Santos arrumou logo a questão a primeira e escreveu «Fase Visual: vejo mal. Fase olfactiva: não tenho olfacto. Fase gustativa: falta-me o paladar. O único sentido que 40 anos de tabagismo não embotou foi o do tacto». Esta nota foi válida para todos os whiskies. Luís Coimbra e este vosso criado tentaram ir um pouco mais longe, mas aconteceu-lhes mesmo isso: foram pouco mais longe. (ver caixa) O segundo whisky foi saudado entusiasticamente, até mesmo pelo blend-céptico de serviço, Brederode Santos. Choveram os encómios a sua «harmonia», ao «equilíbrio» e a «suavidade». Imediatamente a seguir, ninguém soube explicar o que queriam dizer os três adjectivos. Esta consensualidade espontânea alertou os três provadores para o disparate que podiam estar a fazer, porque numa prova cega não raro se elogia o que ás claras detestamos, e vice-versa. Por isso, foi já com o sobrolho mais carregado que se abordou o terceiro whisky. Desta vez imperou a moderação, embora todos tenham reconhecido que se estava perante um whiskey americano ou irlandês. Esta foi provavelmente a única coisa acertada que os três comentadores disseram, O último whisky (ou whiskey) foi saudado com um misto de alívio (Brederode dos Santos), curiosidade (Luís Coimbra) e reconhecimento (este vosso criado). A apreciação foi mais demorada, quase como justificação inconsciente de algum desleixo nos copos anteriores. Rapidamente se chegou a conclusão de que esta última prova não tinha origem na Escócia, no que se estava correctíssimo. Chegara então a hora de todas as revelações. Todos os provadores convidados estavam com algum receio de verem as suas preferências pessoais traídas pelo seu próprio gosto. E tinham muita razão. Com um ritmo hitchcokiano, as garrafas foram chegando a mesa: whisky nº 1, Johnie Walker Black Label 12 anos (como aliás todos os restantes); whisky nº 2, Grand Old Parr; whiskey nº 3, Red Breast (irlandês); whiskey nº 4, Jameson 1780 (irlandês). And the winner was...Grand Old Parr, com uma média de 26,6 - bom. 

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